Um amigo meu ganhou da sua mãe um bolo daqueles brancos, decorados com bonequinho e frase engraçada, mas o tema escolhido alugou um triplex na cabeça dele. O bolinho encomendado pela mãe tinha como tema a empresa onde ele trabalha.
Ele é daqueles que, no dia do aniversário, fica meio feliz e meio triste. Se emociona com as homenagens dos amigos, mas também fica reflexivo, analisando toda a sua trajetória até aquele momento, sabe?
Na ligação que fiz pra ele no final do dia, o castelo atingia o seu ápice e o gatilho foi o danado do bolo. “Eu me resumo a isso, Mila?”. Eu respondi o que ele já sabia. Levando pro racional, é claro que ele não é só trabalho. Eu não tinha dúvidas, ele também não, mas a aflição não mora na lógica.
Mesmo sabendo de si, a gente é capaz de entrar em crise pela percepção que o outro tem de nós. Não é o caso de ignorar as visões externas, elas também dizem algo. Mas a partir de quê?
Sendo aquele bolo um presente da própria mãe, que mora com o meu amigo e o conhece em tantas camadas, a gente chegou à conclusão que a escolha do tema refletiu aquilo que ele mais tem mostrado de si. Mesmo que ela seja capaz de listar tantas outras coisas que o seu filho gosta, aquela pareceu a mais adequada, pelo menos para o momento.
O meu amigo gosta do que faz no trabalho, gosta da empresa, ele posta bastante sobre a rotina lá e os projetos que desenvolve. E ele tem, de fato, trabalhando muito nos últimos meses. Ele até se surpreendeu com a própria reação, não esperava que fosse desencadear questionamentos sobre sua essência e uma autoavaliação das suas prioridades. Belo fim de aniversário.
Depois de tentar animá-lo da melhor forma que pude pelo telefone, óbvio que eu desbloqueei pra mim essa nova insegurança. Se eu já achava difícil decidir um tema ou frase pra ilustrar o bolo do meu aniversário, fiquei maluca pensando no que pessoas próximas escolheriam para mim.
Sinto mais uma vez a necessidade de enfatizar aqui que tenho consciência da falta de necessidade de tornar isso uma questão. Visto a quantidade de Questões do início da vida adulta no Brasil de 2022. Mas eu assumi o impulso de ignorar as questões com q maiúsculo desde o texto #1 e serei fiel ao título da newsletter. Compromisso com o assinante acima de tudo!!!
Todas as opções de temas me incomodaram porque automaticamente excluíam tantas outras. E aí eu tinha que repetir “Maria Emília, é só um bolo!!!!!”.
Mas, na verdade, acho que o que me pegou nessa história foi o fato de ter envolvido trabalho e esse é provavelmente o tópico mais suspenso na minha vida atualmente. Suspenso no sentido de não ter pés em lugar nenhum, flutuando mas não subindo, nem indo em frente, nem com plano de pouso.
Há algumas semanas fui demitida. Para além das inseguranças de praxe que a situação já traz, eu não sabia que associava tanto o emprego à minha validação como pessoa, mais especificamente como adulta, até perdê-lo e me sentir tão vazia de algum valor.
Assim como meu amigo aniversariante, quando levo pro campo racional, eu sei que não me resumo a trabalho, mas a aflição não mora na lógica.
Aflição é o que eu sinto pontualmente em relação a isso tudo, o que tem sido constante mesmo é o medo. Um medo quietinho, mas perene. Ele fala baixo, mas não me deixa dormir.
O fato de me identificar com mais de um caminho profissional me faz considerar possibilidades distintas e ter muita, muita dificuldade para excluir qualquer uma delas.
Há dois dias eu estava pesquisando programas de pós-graduação em Letras. Semana passada me candidatei para não sei quantas vagas em UX design e, na semana anterior, fiz empolgada a inscrição para um programa voltado para repórteres, com tudo pago, que vai acontecer em São Paulo.
Eu sei como isso de “atirar pra todo lado” dá uma ideia de desespero, mas ter que decidir por um único caminho agora (e consequentemente excluir todos os outros) é justamente o que leva meu medo pro estágio de aflição. Tô evitando.
Essas tentativas, por mais diversas que estejam sendo, têm me dado a importante sensação de movimento nesse tópico suspenso, o consolo de “pelo menos eu tô tentando”. Inclusive, que coisa mais horrível medir produtividade quando não existe um expediente, demandas, cobranças externas. Mas isso é um outro triplex.
Sobre o bolo, decidi que eu mesma vou encomendar pra evitar futuras crises desnecessárias. É provável que eu espete nele todos os álbuns de Taylor Swift, incluindo o novíssimo Midnights, que vai ser lançado quatro dias antes do meu aniversário. João Gomes também é uma possibilidade. Pantanal ficou batido e já vai ter terminado até lá. Ano passado, resolvi esse mesmo dilema encomendando um bolo normal, com cobertura de chocolate e decorado com morangos e brigadeiros. Parece a melhor solução, principalmente quando lembro que nem gosto de chantininho.
Tempo livre demais
Segue a lista das coisas mais legais que vi/li/ouvi nas primeiras semanas de desemprego.
Esse texto sobre os sabonetes Phebo, crise hídrica e boom populacional.
Todos os vídeos desse querido reagindo aos GRWM de Lelê Burnier e Malu Borges no TikTok.
O babado da marmitagate:
Esse podcast:
A entrevista de Viola Davis ao Fantástico. A fala “tudo que você sempre sonhou está do outro lado do medo” me pegou mais que desprevenida no domingo à noite. Acabei de lembrar que queria ter encaixado a citação no texto lá em cima.
Essa foi a penúltima ou talvez última news dos 24. Provavelmente seguirei impostora nos 25. Até lá!
Para refletir: Uma das formas de medir o sucesso de alguém é como as pessoas a sua volta se sentem.