Adulta Impostora #16
Como dizer que a sua psicóloga está de recesso sem dizer que a sua psicóloga está de recesso
Baixei o BeReal em meados de setembro e tudo que sabia a respeito do aplicativo é que era a nova febre da geração z. Tenho consciência de que usar “febre” nesse sentido e “geração z” na mesma frase me afasta da juventude que estou tentando acompanhar, mas o vocabulário não é exatamente um dos quesitos que me disponho a manter atualizado. Já não posso dizer o mesmo das plataformas digitais.
Deve ser sina de quem trabalha com comunicação e em 90% das vezes é a desculpa que uso pra criar conta em mais uma rede social. Preciso entender o que essa tem que as outras não têm. As marcas já descobriram como usar a seu favor? Dá pra fazer publi? Veio pra ficar ou é só uma marolinha? Foi assim que o TikTok entrou na minha vida, a experiência mais próxima de ser engolida por um buraco negro que eu provavelmente terei contato, e se tornou a melhor/pior coisa que a internet me deu nos últimos anos. Em alguns momentos você quer declarar seu amor ao algoritmo pelo vídeo que nem sabia que precisava, em outros o amaldiçoa pelos 50 minutos que deveriam ter sido cinco, mas você jura que passou em um piscar de olhos.
Mas eu ia falar do BeReal. O aplicativo vai na contramão das outras redes sociais. Enquanto o Instagram quer é que você poste muito mesmo, seja no story ou no feed, com direito a filtro, música e avatar personalizado, o BeReal só permite um post por dia. Duas fotos, uma da câmera traseira e outra da frontal, capturadas em um intervalo de um segundo entre uma e outra. Sem vídeo, sem filtro, sem hashtag. Até tem legenda, mas o limite de caracteres é bem menor que o de um tweet. E a hora do post não é o usuário que escolhe, só é liberada a partir do momento que o app envia a notificação “it’s time to Be Real!”, que chega em um horário diferente todos os dias, com prazo de dois minutos pra fazer a publicação. Até dá pra postar atrasado, mas a ideia é que seja na hora do lembrete.
Sei que tem gente que “guarda” o Be Real do dia pra postar no momento que julga ser mais interessante, um encontro com os amigos, um show. Quem nunca fez que atire a primeira pedra etc. Já fiz, mas tento seguir à risca a regra de postar assim que vejo a notificação.
Pois bem, fui notar esses dias que em 80% dos meus posts eu estou sentada na mesma cadeira da sala da minha casa e de frente para o computador. O que é absolutamente o esperado de uma pessoa que trabalha de segunda à sexta, durante a manhã e a tarde. Mas foi quando lembrei daquela frase que adoram usar pra causar impacto, “a forma como você passa os seus dias é a forma como você passa a sua vida” ou alguma coisa nesse sentido com outras palavras, e aí eu fiquei meio mal (?) pensando que minha vida tá se resumindo a essa repetição, a esse perímetro limitado no espaço (e a de quem não tá? A de pouquíssimas pessoas. A da filha de Xuxa eu sei que não está).
Quis anotar o incômodo “80% dos meus be real eu tô sentada na mesma cadeira e de frente pro computador” pra levar pra terapia, o que faço pra evitar aqueles primeiros minutos da sessão em que você diz que não aconteceu nada de muito relevante na semana. Mas o que acabei anotando foi “querer levar pra terapia o fato de que 80% dos meus be real eu tô sentada na mesma cadeira e de frente pro computador” porque pelo amor de deus eu tô querendo levar pra terapia o aplicativo que foi pensado pra eu não pensar e eu fiz uma conta nele buscando exatamente isso!!!
E aí sabemos que dá pra fazer uma reflexão a respeito da sociedade analisando esse tipo de coisa. Mas não é na minha única hora semanal com a psicóloga que eu quero chegar à conclusão de que alimentamos uma máquina feita pra nos devorar mentalmente, financeiramente, todos os dias, do primeiro ao último segundo dos olhos abertos. E que estamos na palma da mão de Mark Zuckerberg. Por outro lado, às vez é exatamente isso que tá me consumindo durante uma semana inteira e por mais global que seja a problemática, ela fala um tanto sobre mim, sobre o meu processo de autoconhecimento (minha psi adora esse termo) naquele instante.
Da mesma forma que o fato (irrelevante) de eu ainda não ter terminado o livro que comecei em novembro e o fato (preocupante) de eu estar com muito mais dificuldade que o normal para cumprir prazos do trabalho podem estar apontando para a mesma coisa. Essa coisa que, por mais que eu saiba que existe e busque entendê-la, pode nunca chegar a ter um nome ou forma concreta.
Essa é a BIZARRICE da terapia, esse é o motivo de eu achar que é válido gastar alguns minutos falando do dia em que a retrospectiva do Be Real me deu uma bad trip ou relatando um sonho sem pé nem cabeça que fiz questão de anotar pra não esquecer nenhum elemento, na esperança de que ela capte um detalhe que me passou despercebido, seja na minha rotina robótica ou no meu inconsciente, e me conduza pra mais perto daquilo que desejo alcançar, esse estado ainda sem nome e sem forma concreta.
Chifre de ouro
Pode alguém que nunca viveu uma decepção amorosa ganhar um Grammy? Sim, mas essa é uma exceção à regra. Shakira e Miley Cyrus sabem muito bem que contexto e história vendem, mas eu gosto de pensar que elas só quiseram o doce sabor da volta por cima quando lançaram recentemente Shakira: Bzrp Music Sessions Vol. 53 e Flowers.
A de Shakira infelizmente não me agradou, mas torço para que venha coisa melhor na nova fase da lenda. O single de Miley achei bom, mas desconfio que ela esteja guardando o ouro pra quando sair o álbum completo. Já o álbum SOS de SZA eu ouço sem parar desde que lançou. Indico com moderação porque estamos falando de sofrência E de R&B.
Não lembro da última vez que o intervalo entre uma edição e outra foi de duas semanas e o motivo só pode ser a ausência da pessoa que mais cito nessa newsletter. Desejo que essas duas primeiras semanas de janeiro tenham passado tão lentamente pra ela quanto passaram pra mim. Mas que ela tenha usado essa eternidade em forma de 15 dias pra descansar e esquecer dos meus problemas, coisa que eu não fiz. Quinta-feira, graças a Deus, vou de lembrá-la de cada um.
Vocês, até a próxima :)
Não sei se isso me faz louca também, mas eu entrei na mesma noia como BeReal. E ai o mecanismo que encontrei para driblar esse sentimento foi de tentar fotos diferentes sempre que estou no mesmo lugar. Uma hora fotografo a tela do computador, outra o café, etc. Resolve o problema? Não, mas funciona para me enganar.
Muito bommmm!!! Parabéns por alugar alguns castelos na minha cabeça em plena segunda feira <3