Veio uma necessidade de grifar aquela página inteira, todas as linhas. Tarefa difícil quando se está em pé no ônibus e só dessa vez eu desejei ter o kindle, e não o livro físico, nas minhas mãos. A vontade mesmo foi de emoldurar a página 73 do Frantumaglia. Depois, vontade de ir na casa de Maelyson e abraçá-lo por ter me dado esse livro de presente. E ainda um desejo de ter uma filha e dar pra ela o nome de Elena. Desejo que não surgiu na ocasião da página 73, mas vem de outras leituras de e sobre Elena Ferrante. Registraria inclusive com o capricho do Elena sem H, mesmo sabendo que ela passaria inúmeras vezes pelo transtorno de ter o nome escrito errado em consultórios médicos, e-mails, copos de cafeterias.
E alguém que esteja lendo isso e tenha em casa o Fantumaglia, se for conferir a página 73, coisa que eu com certeza faria se estivesse nessa posição, vai pensar “que exagero” e eu não vou poder argumentar porque, para além de outras coisas, eu preparei a pessoa para receber um texto que me impactou, em parte, justamente por eu estar despreparada quando ele me veio.
Elena Ferrante escreveu em uma carta, que está na página 15 do mesmo livro, que “o pior que se pode fazer é ler com a urgência de encontrar um trecho a ser citado. Os livros são organismos complexos, as linhas que nos perturbaram profundamente são o momento mais intenso de um terremoto interno que o texto provocou em nós, como leitores, desde as primeiras páginas: assim, ou localizamos a falha geológica e nos transformamos nessa falha, ou as palavras que pareceram escritas para nós somem e, caso sejam encontradas, parecem banais, ou até mesmo lugares-comuns.”
Dá até um desânimo pensar que aquele parágrafo que me arrebatou e decidi postar num story não vai atingir ninguém da mesma forma. Lembrei de Mariana, amiga com quem gosto de trocar figurinhas sobre as leituras e em 90% das conversas eu cito Ferrante, porque é mais forte do que eu. Ela já leu algumas resenhas dos romances, já deve ter lido até algumas citações, fora as que eu insisto em compartilhar. Pois bem, Mari não tem a menor vontade de ler unzinho de Elena Ferrante, nem pela curiosidade de conferir se é isso tudo que dizem.
Não por vingança, eu sinto a mesma coisa pelos livros de um dos autores favoritos dela, Valter Hugo Mãe. E assim a gente segue achando meio absurda a visão da outra e repetindo mentalmente um “ela não sabe o que tá perdendo”.
Orgulho do Letterboxd
Poderia, mas não vou ignorar o fato de que a última edição dessa newsletter, feita pra ser mensal, foi enviada em janeiro. Também não vou omitir o outro fato de que fui reler os dois últimos textos pra lembrar mais ou menos a estrutura do e-mail, e mesmo assim não consegui manter o padrão. Um texto mais curtinho no começo. Quebra de página. Outro texto, esse um pouco mais longo e sobre outra coisa. Quebra de página. Umas indicações de qualquer coisa. Despedida. Uns GIFs ou fotos entre os parágrafos pra dar uma suavizada.
O assunto lá de cima segue aqui, porque Elena Ferrante, pra variar, tá mais uma vez alugando triplex na minha cabeça. Vamos de mais uma citação.
Em Frantumaglia, capítulo 9, página 64, ela diz assim: “há muito tempo não aprecio uma vida na qual a Literatura é mais importante que qualquer outra coisa. Por outro lado, existem certos aspectos inferiores da arte de contar histórias que me atraem. Com o passar dos anos, por exemplo, envergonho-me cada vez menos da paixão que as histórias das revistinhas femininas que circulavam na minha casa me suscitavam; bobagens sobre amores e traições, mas que me causaram emoções indeléveis, um desejo de tramas não necessariamente sensatas, o deleite de paixões fortes e um pouco vulgares. Esse porão da escrita, um fundo cheio de prazer que reprimi em nome da Literatura por anos, também deve, a meu ver, ser aproveitado, pois também nele, e não somente com os clássicos, cresceu o desejo de contar histórias. Então faz sentido jogar a chave fora?”
Esse parágrafo me levou na hora pra lembrança recente de um story que postei respondendo uma daquelas caixinhas de perguntas. “10 filmes que eu gosto pra você me conhecer”. Listei rapidinho, com os primeiros que vieram na mente. Dos 10, sete foram da minha infância ou adolescência, filmes que assisti incontáveis vezes e continuo revendo e amando até hoje.
Tirando um ou outro que destoa, tá escancarado que pago muito pau para filmes água com açúcar que têm mulheres brancas como protagonistas. Falando na categoria, acabei de me dar conta do CRIME cometido ao esquecer de Legalmente Loira e De Repente 30. Caso fosse atualizar a lista, Frances Ha sairia facilmente, mas não consigo tirar nenhum outro, então deixaria 11 títulos considerando que ninguém iria parar pra contar os filmes (na verdade, ninguém liga :D).
Voltando à citação de Ferrante, me lembrei das ~paixões que essas histórias me suscitavam~ e me trazem a mesma sensação até hoje. Esse “desejo de tramas não necessariamente sensatas”… que delícia?! Elas me moldaram; algumas de uma forma problemática que eu não conseguia perceber, mas outras em caráter até libertador.
O que me fez lembrar da lista, além das histórias marcantes, foi o fato de eu ter compartilhado isso só nos melhores amigos do Instagram. Essa é a hora de perguntar se eu tenho problemas reais. Por incrível que pareça, tenho! Mas espero nunca trazê-los pra cá. Pra ser sincera, não sei se postei a lista só para os melhores amigos por vergonha dos meus filmes favoritos ou se foi no automático, como acontecia com os 10 vídeos de mini cozinha por dia que eu postava no CF na época em que fiquei obcecada. Mas esse ato automático também não é movido por uma vergonha, mesmo que mais geral? Ou seria só mais entranhada?
Acho que é verdade isso de que os jovens mais jovens têm muitas vergonhas, principalmente de tudo que possa ser associado a uma fase da vida menos madura, ou à idealização do amor ou a qualquer coisa que o coloque em posição vulnerável. A gente tem pavor de parecer menos adulta. Uso aqui o feminino porque sinto que isso atinge de forma mais forte as mulheres. Homens têm menos ou nenhum bloqueio para mostrar que são fãs de heróis ou que gastam muito dinheiro em videogames e HQs. Mas esse é outro assunto.
Ferrante diz que, com o passar dos anos, ela se envergonha menos dessas paixões e eu já vinha notando que é mesmo uma reação quase natural, ainda que seja importante refletir a respeito. Não deve ser difícil reprimir por toda uma vida esses prazeres “inferiores” em nome de algo “mais importante”. Essa, sim, é a lógica que virou automática. A Literatura, o Cinema, tudo que tenha potencial de ser hierarquizado, e consequentemente podar as singularidades. A Vida Adulta, essa que não admite fraqueza ou fracasso. É fácil acreditar que deve-se abrir mão do que existe pra acabar rapidinho, ou pra ser belo só por um instante. Tire uma por uma as coisinhas bonitas e gostosas em prol de produtividade/eficiência/(insira aqui o que aquele livro te promete em 10 passos). Que vida feinha vai te sobrar.
Dois ou mais: filmes que se você assistir acompanhado e comentando, é melhor
Pra acabar com a justificativa “esse não, eu já assisti” na hora de escolher um filme pra ver em grupo. Assistir qualquer coisa acompanhado é totalmente diferente e costuma ser melhor, já que não depende só do filme ser bom pra ~experiência valer a pena. Importante ter pelo menos um amigo tabacudo no grupo ou ser você a pessoa tabacuda do grupo.
Triângulo da Tristeza (2022)
Scooby-Doo (2002)
O Urso do Pó Branco (2023)
Coração Selvagem (1990)
Qualquer um da saga Jogos Vorazes
Qualquer um envolvendo sequestro e Liam Neeson
Consegui terminar. Acumulei muita anotação nos últimos meses do que senti vontade de trazer pra cá e na hora de escrever tudo pareceu ruim e meio ultrapassado. O que juntei aqui me pareceu só ruim, mas eu precisava destravar pra ver se na próxima sai melhor, dessa vez sem a pressão de ter que recuperar mais um projeto quase abandonado. Ainda não foi dessa vez.
Até a próxima, não demoro :)
meu deus eu sou mt impostorerrrrrr que delicia de news
Já de olho nas próximas 🤤