Não que eu deva explicações, mas é da natureza do inseguro se explicar antes que seja solicitado, inclusive quando ninguém nem pensaria em solicitar explicação. Mas o motivo de ter passado mais de um mês sem enviar a newsletter foi um assalto.
Daqueles que dão muita raiva porque parecem ter sido tão evitáveis, ou porque todas as cinco reações diferentes que depois eu pensei que deveria ter tido seriam claramente melhores que a que tive na hora.
Me consolaram dizendo para eu não me culpar, uma frase de consolo que eu mesma uso muito, mas que nunca vi ter efeito imediato. Eu me culpei pra cacete nas últimas semanas.
Um item must-have da bolsa do cidadão que utiliza transporte público diariamente é o celular do ladrão. Aquele que caiu na privada e o arroz não conseguiu reviver, que no momento da perda parecia não servir para mais nada, esse aparelho se torna a materialização de toda segurança nas incontáveis idas e voltas no metrô, a certeza de que no cenário indesejado da abordagem de dois caras numa moto, o meu iPhone XR de vitrine teria a carcaça do Xiaomi Mi A3 como seu mártir.
Tendo os dois aparelhos em bolsos diferentes, enfrentei shows de Carnaval, caminhada em avenidas depois das 21h, vagões meio vazios, rolês no centro do Recife. Sempre cautelosa, mas crendo que se o assaltante vier com a farinha, eu já tô voltando com o bolo. Com a plenitude desta diva aqui:
Por já ter passado por um assalto do tipo “passa o celular” dentro de um BRT há uns anos, eu comecei a carregar na bolsa um celular do ladrão. O meu atestado de esperta, de cidadã vivida, a solução ao alcance da minha mão. Ou a ilusão da solução.
No assalto que sofri há um mês, levaram a minha bolsa. Não ouvi o “passa o celular” pra seguir o movimento ensaiado de entregar o aparelho quebrado, foi “bora, passa a bolsa”, e foi assim que ele levou o meu celular e o dele.
Sem a minha ilusão de solução, me restaram as burocracias de 2ª via de documentos e cartões, a compra não planejada de um celular e uma nova paranoia desbloqueada. Quem já passou pelo mesmo sabe que a dívida pra repor o que foi embora é dos problemas o menos paralisante.
Pra completar o pacote, o ocorrido foi num domingo de manhã, que não à toa é o primeiro dia da semana, porque é quando todas as inseguranças e medos brotam no cérebro ao mais baixo volume da música de abertura do Fantástico. Deram até um nome pra isso. Basicamente o nosso lembrete de que o final de semana é a mais paradisíaca das ilusões: o vislumbre de uma rotina sem trabalho.
Portanto, é da natureza do fim de domingo colocar a gente pra repensar todas as escolhas da vida. Posso dizer que o assalto intensificou em pelo menos 5x aquela minha crise dominical. Só à noite o meu corpo decidiu reagir chorando copiosamente, seguido da minha mente debochando de tanto choro por causa de perdas materiais, que por sua vez foi repreendida pela voz imaginária da minha psicóloga dizendo “pode chorar, coloca isso pra fora”.
A conclusão que eu queria, de aceitar que não tenho controle de nada e que a vida é isso aí e bola pra frente, só começou a fazer sentido de verdade mesmo nas últimas horas. E talvez por isso esteja escrevendo aqui e não tenha vindo, pela primeira vez, a vontade de mudar de assunto.
Escrevo agora também porque esses dias ouvi uma amiga citando uma frase de Paulo Brabo em uma mensagem religiosa e que foi o fio perfeito pra um sermão sobre as pragas do Egito, mas meio que se encaixou em outras coisas pra mim também. A frase foi: “Parece uma crise, mas é só o fim de uma ilusão”.
Não sei se serve para todas as crises possíveis, mas fez sentido pra algumas das que brotam pra mim nos domingos. Às vezes a crise, aquela sensação de não ter muito pra onde ir, é na verdade a revelação de um problema que sempre esteve lá, mas meio escondido por algo que parecia ser uma solução. Entendendo dessa forma, como o fim de uma ilusão, a crise se parece mais com o começo de uma nova fase na qual a gente se conhece um pouco mais.
Claramente essa conclusão tá desproporcional ao sentido de andar por aí com um celular do ladrão na bolsa, mas essa analogia nunca foi o objetivo do texto. Eu só queria mesmo explicar porque passei mais de um mês sem escrever aqui. Que nem Rita Lee, eu não sou mulher de fazer backup e todas as anotações e links pro texto de agosto estavam no meu grupo comigo mesma no WhatsApp, no celular roubado.
Volto em breve com o que conseguir lembrar do rascunho perdido ou com qualquer outro relato, espero que da experiência de ganhar um daqueles sorteios de iPhone em perfil de subcelebridade no Instagram.
amiga achei meio triste mas ri um pouco do seu relato
fui ler os detalhes do seu assalto e terminei pensando: "acho que temos uma sherlock holmes aqui" pq, PLAU, leu minha depressão de fantástico crônica haha <3