O que a gente quer dizer quando diz que quer ficar velha?
Certamente não estamos desejando as rugas, mas a gente quer viver. Não envelhecer é deixar de viver, afinal.
“Jovens, envelheçam”, a máxima de Nelson Rodrigues. O que a gente quer da velhice, além da ilusão da aposentadoria confortável? Um bom dinheiro na conta (risos), saúde e tempo livre pra fazer o que se quer. No meu caso, umas aulas de cerâmica, viagens regadas a vinhos e boas comidas com minhas amigas. Uma vida igual àqueles vídeos do perfil @vita________lenta.
A realidade mais provável é que vou ficar por horas rolando o feed de qualquer coisa parecida com o TikTok que vão ter inventado em 2067.
Mas quanto do que sou hoje vai ter nessa Emília velha? E quanto do que ela será já está em mim agora? Parece ser a mesma pergunta escrita de forma diferente, mas uma busca a juventude no futuro e a outra, a maturidade no agora.
“Naquela jovem que se tornava adulta já estava, inteira, esta mulher de noventa anos que sou hoje.” escreveu Fernanda Montenegro em Prólogo, Ato, Epílogo, seu livro de memórias. Será que vai ser assim? Espero chegar aos noventa pra constatar.
Ok, queremos envelhecer, mas não queremos parecer velhas.
Eu não vou começar uma palestra aqui. Opinião sobre esses procedimentos estéticos tá tendo de sobra na internet. E sendo bem sincera, quem sou eu, com menos de 30, pra dizer o que alguém aos 69 deveria deixar de fazer. Ela se livrou do que eu, aos 27, tento remediar usando protetor solar todo dia, até dentro de casa.
Mas eu não quero pirar. Também não quero em algum momento ter o mesmo rosto da minha filha que tem metade da minha idade. Mas ver o seu rosto mudar e não gostar do que vê também deve ser uma merda. E é nessa encruzilhada que eu tenho vontade de abandonar o texto sem conclusão alguma. Mas se eu tiver que continuar, vai ser com a opinião das outras, e não a minha.
Eu li uma outra velha (e nesse texto eu tenho chamado “velha” com todo o respeito) que falou sobre isso também na sua autobiografia. E das famosas, ela é a minha velha favorita.
“Aquela cena manjada da celebridade vetusta solitária e saudosa de sua juventude não era minha praia, nem lamentar que os bons tempos não voltam mais, menos ainda tentar exibir minha boa forma em público com plásticas e botoxes para me dizer viva. Envelhecer com bom humor e uma boa dose de sarcasmo não é para maricas. Sempre dei mais valor à dignidade de uma Hilda Hilst do que àquelas em busca da fonte da juventude que não percebem o tempo como aliado da feitiçaria feminina.” Rita Lee em Uma Autobiografia
yotra:
“Quando digo que me dei conta de estar velha, falo não apenas da aparência, mas principalmente da existência em si. Estou vivendo uma fase especial, cheia de perguntas, e tenho a sensação de estar grávida, de me autoparir feito cobra quando abandona a pele antiga e outra renasce ainda mais poderosa.” Rita Lee em Outra Autobiografia
Na moral? Amo Rita. Mas tem que ser muito fodona pra sustentar esse discurso. A maioria de nós simplesmente não é assim. Eu sei que eu não sou assim. Mas sei quem chega perto.
Uma das boas amizades que fiz no último ano é Ceci.
Estudamos juntas na pós-graduação e ela já vai chegando na casa dos 80. No último ano, ouvi Ceci dizer algumas vezes que envelhecer é uma merda.
Ao mesmo tempo, ela é a velha mais da hora que já conheci de perto. Faz ginástica e faxina, cuida de plantas e dos netos. Tá escrevendo um romance que eu tô doida pra ler. Vai com a gente pro bar, arruma uns dates duvidosos e nos conta tudo em detalhes depois.
Se autoparir, abandonar a pele antiga, nada disso deve ser tranquilo. Mas de alguma forma dá pra aceitar a nova casca e se divertir no processo. Eu vi que dá, graças a Ceci.
E pra terminar esse texto com uma indicação, tem a minha newsletter favorita do momento:
Jogo da Velha reflete sobre envelhecimento feminino e outras coisas pelo caminho. Tem muita etimologia, detalhe que adoro e que me faz babar na sabedoria de Noemi Jaffe. Gênia mesmo. Sigam, é bem melhor do que ficar lendo gente jovem nesse Substack.
Esse é especialmente bom:
Aqui me despeço de mais uma. Indico as autobiografias citadas, o Acústico MTV de Rita Lee e a amizade com os mais velhos.
Manda esse texto pra uma amiga com quem você quer envelhecer.
lendo só agora, mas que coisa linda linda linda <3
Emolia, genial como sempre. Muito obrigada pela indicação aos escritos de Noemi Jaffe – não conhecia e tô muito encantada. Já ri um bocado, sempre bom conhecer outras mulheres inteligentíssimas que não se levam tão a sério (como tu), um cheiro!