Em algum momento eu assumi que não gosto de Clarice Lispector. Não foi sempre assim, na verdade, houve uma época em que eu amava.
Minha migração de criança leitora para adolescente leitora ficou marcada por toda a obra de Meg Cabot, em especial a série O Diário da Princesa, mas também alguns clássicos de literatura brasileira que, não sei como, eu realmente amava.
Quer dizer, eu meio que sei como. Tinha essa professora de literatura que eu venerava e fazia de tudo pra que ela me amasse, me achasse diferente, genial. Com meus 12 anos, já tinha notado que meu desempenho em outras matérias não era a coisa mais promissora do mundo, mas com português, gramática, redação, tudo parecia naturalmente mais fácil e até prazeroso. Eu notei que poderia ficar boa naquilo.
Eu gostava de outros professores, mas decidi que a de linguagens seria a minha favorita. Eu me divertia nas aulas de história e inglês, mas só fazia questão de deixar claro como eu amava dia de redação.
Quando essa professora de português/redação/literatura indicou a leitura de Clarice Lispector, eu peguei na biblioteca no mesmo dia. Ela não indicou para a turma, ela tinha indicado só para mim, numa das conversas exclusivas que eu insistia em manter depois do fim da aula.
Me agarrei com “A Hora da Estrela”, lembro que li prestando muita atenção. Terminei rápido, empolgada pra comentar com ela que amei o livro, eu tinha mesmo amado a história. Fui para “Felicidade Clandestina”, que também gostei, mas já não foi tão marcante. Tudo bem. Importava que ela, minha professora, tivesse acertado em cheio quando pensou que eu gostaria daquela autora de adulto, distante do que qualquer pessoa da minha idade que eu conhecia gostava de ler.
Acontece que nenhuma outra leitura de Clarice me pegou como aquela primeira. Tentei mais uns três que nem terminei, achei meio entediante mesmo.
Em 2018 comecei a consumir muito conteúdo de literatura por causa de um estágio que fiz em uma editora. Antes, eu não fazia ideia que existiam bookgrams, booktubers e derivados. Também não dava muita atenção a autores contemporâneos. Inclusive, eu gostava de gostar dos que já tinham morrido. Mas isso tudo mudou.
Acompanhando esses conteúdos, percebi que a veneração por Clarice Lispector não era mais um senso comum entre leitores™. Pelo contrário: amar Clarice Lispector é uma coisa muito 2010, muito Facebook, é brega. É percebido também como um traço de quem quer mostrar que lê coisas cultas, mas que não lê de fato. Vejo agora como tudo isso é tão ridículo e se trata de aparências, de fingimento e também de insegurança. É aí que pretendo chegar, mas não agora.
Voltando à história: por mais vergonhoso que seja, eu achei o máximo a existência do movimento anticlarice. Hoje penso que fiquei foi empolgada por ter um pensamento em comum com a bolha que estava descobrindo, um pensamento que genuinamente fazia parte de mim. Clarice Lispector é um saco e que libertador poder afirmar isso. Aí eu, que antes não sentia nada sobre ser uma ex-fã da escritora, vesti a camisa desse clube. Até uns dois meses atrás, esse ainda era o meu discurso.
Tudo mudou - de novo - quando achei dois livros de Clarice por 15 reais em uma feirinha. Eram dois títulos que eu não conhecia e que me chamaram a atenção, então comprei e, semanas depois, comecei a ler um deles. Na verdade, eu devorei. Pro meu ritmo lento, terminar um livro em três ou quatro dias é coisa muito rara.
Eu amei tanto “De Escrita e Vida” que soube que não poderia mais dizer por aí que Clarice não faz o meu tipo.
Toda vez que termino um livro, posto foto da capa nos stories do Instagram, às vezes com algum comentário ou tentando fazer uma graça, porque é isso que a minha geração faz. Daí que quando terminei esse de Clarice fiquei pensando no que pensariam de mim quando vissem a foto, "ah, ela é dessas que lê Clarice", e esse dilema que parece ser de quem não tem problema na vida criou um noia na minha cabeça.
Agora retomando a conclusão de que toda essa cadeia de sentidos é ridícula, lembrei que a vergonha de ser julgada pela foto de um livro que tem na capa “crônicas para jovens” é a mesma que senti sobre ser vista ouvindo Lulu Santos no ônibus, citada na newsletter anterior.
Contei toda essa história de ser fã, depois hater, depois fã do texto de Clarice Lispector porque fiquei passada, mais uma vez, com a facilidade de ser podada por mim mesma pelo que eu acho que os outros vão pensar. Já falei algo parecido aqui em janeiro, sobre como isso impede os meus começos, porque as primeiras tentativas de qualquer coisa quase nunca vão ser boas, inclusive têm grandes chances de serem vistas como ridículas.
Peço desculpas por cair no mesmo tema que já trouxe aqui duas vezes, a repetição provavelmente quer dizer que eu tenho tentado me lembrar com alguma frequência de que não faz sentido parecer alguém diferente do que sou, corresponder a expectativa de uma pessoa ou um grupo, mesmo que o admire muito. Quer dizer também que minha terapia tá em dia.
Eu juro que tenho problemas reais na minha vida, mas Deus me livre de enviar e-mail para não sei quantas pessoas falando de coisa séria.
Agora, uma indicação séria
Se eu já falei mal de live action ou adaptações, não me lembro. “Turma da Mônica - A Série” foi a melhor coisa que assisti nas últimas semanas. Os filmes “Turma da Mônica - Laços” e “Turma da Mônica - Lições” são tão bons quanto. As histórias são lindas e o elenco é impecável. <3
Acabou mais uma, a décima. Até a próxima :)
Emília
Nunca li Clarice Lispector.
E olha que já li bastante coisa (livros).
Qualquer di, dou uma chance.
por favor, se repita.