Adulta Impostora #14
Velinhas em sobremesas que não são um bolo de 3kg e outras formas de se acolher
Tenho entrado no mesmo pesadelo toda semana, de segunda à sexta, sem exceção. A cena de horror começa pontualmente às 8h e só me abandona por volta das 17h. A obra no terreno ao lado da minha casa já dura meses e eu não sei qual etapa testou mais os meus limites físicos e mentais. Esse bate-estacas já me deu dores de cabeça, crises de rinite alérgica e triplicou o número de mosquitos na minha casa, fenômeno que eu não tenho dúvidas que foi causado pelas caixas d’água destampadas que consigo ver daqui do terraço. No dia que eles cavaram um poço, eu achei que fosse morrer.
A parede branca altíssima a poucos metros do lado direito da minha casa, que fica no primeiro andar, barrou todo o vento que entrava pela janela da cozinha e de manhã faz um reflexo insuportável da luz do sol. Às vezes sonho que taquei fogo em uma construtora ou que peguei briga com um grupo de cinco pedreiros. Tenho pensado muito em fazer um bolinho para comemorar quando a obra terminar. Chamar os vizinhos, fazer uma oração de gratidão, soltar uns fogos. Mesmo sabendo que o galpão vai abrigar uma igreja pentecostal e que provavelmente o meu problema com barulho perto de casa só vai mudar de som. Se eu voltar aqui dizendo que sinto saudades do tempo que era só uma obra, teremos chegado num nível gravíssimo. Peço que me resgatem.
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Não vou mais falar de aniversário até outubro de 2023
Da lista de palavras ou termos bonitos que foram estragados pelo seu uso excessivo nas páginas motivacionais de Instagram e no capitalismo - como a gente acaba acreditando que um produto pode ser afetivo? - teve um que minha psicóloga lançou no meio da terapia.
Se alguém acha que me repeti demais nos últimos e-mails falando de aniversário, sentiria pena de Aryelle A Psicóloga pelo que ela tem escutado semanalmente mais ou menos desde agosto. Eu diria que essa mulher é um anjo se não lembrasse que me ouvir é parte do trabalho remunerado dela. Em minha defesa, é a crise dos 25.
O contexto é que pela primeira vez não senti vontade de fazer uma comemoração de aniversário maior, com amigos de lugares e momentos diferentes da minha vida, como faço todos os anos. Para resumir, não estava me sentindo muito comemorável e, mesmo percebendo a problemática por trás de um pensamento assim, de estabelecer um prazo pra dar certo de alguma forma ou entender certas conquistas como validação da pessoa adulta e bem-sucedida, preferi me manter na ideia de não fazer festa, nem bolinho, nem nada. De fato, não fiz.
E foi aí que ela perguntou “Emília, você tem se acolhido?”
Numa fração de segundo pensei “pelo amor de Deus” e foi como se ela tivesse me respondido com um post do Bom dia, Obvious em que a frase está escrita em uma fonte bonita num fundo rosa bebê. E para efeito de esclarecimento, eu gosto do Bom dia, Obvious, sigo a página, ouço o podcast e até compartilho posts com frase nos meus stories. Mas é inegável que existe um glossário próprio, uma cartilha já bem gasta por todo esse meio e o resultado disso é a impressão de que leio por mês 10 legendas de como me acolher na fase x ou sobre os sentimentos que nos atravessam na situação y. Não é nada contra os significados, é só o ranço das expressões.
Acontece que no segundo seguinte eu já comecei a ficar incomodada porque não tinha resposta pra ela. Fiquei na dúvida se ela tinha achado certo ou errado eu não ter comemorado o meu aniversário como sempre, se pra me acolher eu deveria ter insistido na festa. Ótimo, agora eu também não iria tirar 10 na terapia. A conversa foi desenvolvendo e em algumas sessões a gente ainda volta pra esse ponto, porque é subjetivo isso de se acolher.
Em empresas maiores, quando há novas contratações e organizam aqueles dias de acolhimento, comuns também no calendário de calouros de universidade, as conversas e dinâmicas de grupo são todas voltadas pra proporcionar uma melhor adaptação à nova fase que está para começar. E meio óbvio que os processos são únicos e algumas pessoas vão se identificar mais com o acolhimento imposto do que outras.
Entendendo esse “me acolher” como encontrar formas de me tratar bem a partir da compreensão de um momento específico, que costuma envolver novidades, a conclusão pendeu para o lado de que, sim, acho que fiz isso no meu aniversário. Tomar café da manhã de padaria com minhas duas amigas do ensino médio foi a melhor forma de arriscar os primeiros passos nos 25 anos, ainda que oposta ao que eu vinha fazendo até esse ano.
Talvez até sem perceber que estava fazendo isso, criei para o meu dia um ambiente confortável diante de um momento em que lidar com pessoas e conversas relacionadas a trabalho e mais presentes na minha ~vida adulta me deixaria pior. Em uma escolha que achei ter sido aleatória, mas agora entendo que nem tanto, chamar as minhas melhores amigas da adolescência pra estarem comigo nesse dia era me certificar de que não estariam entre os assuntos, por exemplo, o péssimo momento do mercado para jornalistas ou a nova lista de colegas demitidos daquela redação. A ilusão perfeita e provavelmente o cenário que não viverei na grande maioria dos próximos 365 dias, mas era tudo que eu precisava nesse dia 25 de outubro.
Para seguir e
soltar um sorrisinho no meio do expediente: @galinhas.inseguras no Instagram (uma indicação de Lara).
amar crianças: @recess_therapy no YouTube, Instagram e Tiktok.
talvez sentir um pouco de nojo mas depois se emocionar: vídeos de faxina de @ellenmilgrau no Instagram e Tiktok (uma indicação de Giulia).
ter acesso a grandes análises da sétima arte: @queseriemassa no Instagram.
Eu realmente não vou mais falar de aniversário até outubro de 2023, porque ninguém além de Aryelle A Psicóloga perguntou. Voltamos no próximo mês com uma nova obsessão desimportante.
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Eu só queria dizer que sempre vou te acolher. <3
Queria dizer q chorei. Estou tendo o mesmo diálogo sobre acolhida na minha terapia. E de fato isso é muito relativo e as vezes difícil de entender. As vezes vc pensa estar desconfortável mas do nada parece q as coisas estão se encaixando, e qndo vc mais pensa estar acolhido do nada vem o abandono. Obrigado por compartilhar