Adulta Impostora #19
Receita para governar um mal-estar ou Quando saem as palavras que sempre estiveram aqui
Não sei se também é assim com vocês. Não hesito em dizer para as pessoas "pode confiar em mim", não vejo graça na enrolação. Mas quando é pra mim mesma, a minha palavra não vale de muita coisa.
Parece inofensivo, mas é perigoso o que pensamos de nós mesmas. Eu vim percebendo os tais danos camuflados, nesse movimento de mim pra mim, graças a dois exercícios.
Primeiro: falar em voz alta na terapia. As famosas respostas que damos a nós mesmas, sem saber que sabíamos. Graças a Deus pelas psicólogas e suas perguntas certeiras.
O segundo exercício foi o da escrita. Não essa aqui, falo da escrita não publicada. A que eu custei pra engatar quando decidi retomar o hábito de escrever um diário lá no final de 2022. Cheguei a falar sobre isso aqui, que me perdia ao escolher o que entraria ou não naquelas páginas, qual o critério se ninguém vai ler? Escrever pro nada, até se tornar fácil, é bem confuso.
Essas palavras que vêm de mim mesma, mas que de algum jeito me pegam de surpresa, elas me abraçam e me incomodam na mesma proporção.
Voltando na edição #17 dessa newsletter, é perceptível como eu já estava tendo mil castelos com a leitura de Frantumaglia, de Elena Ferrante, antes mesmo de chegar na página 100. Eu terminei o livro no início deste mês ainda mais obcecada pela autora do que já era. Em resumo, é uma edição que reúne cartas, entrevistas e ensaios de Ferrante, a maioria falando sobre as suas obras e sobre o seu processo de escrita. Eu vou trazer mais um trecho do livro pra cá, e nem posso prometer que vai ser o último. Em uma entrevista que concedeu em 2015, a escritora respondeu:
“Deixe-me destacar algumas características que, entre um livro e outro, permanecem idênticas. As quatro histórias são narradas em primeira pessoa, mas, como já mencionei, em nenhuma delas imaginei o eu narrador como uma voz. Delia, Olga, Leda, Elena escrevem, escreveram ou estão escrevendo. Quero insistir nisto: as quatro protagonistas são imaginadas não como primeiras, mas como terceiras pessoas que deixaram ou estão deixando um testemunho escrito do que viveram. Com muita frequência, nós, mulheres, nos momentos de crise, procuramos nos acalmar escrevendo. É escrita privada que tem como objetivo governar um mal-estar — redigimos cartas, diários. Eu sempre parti deste pressuposto: mulheres que escrevem sobre si mesmas para entender a si mesmas.”
Tirando a série de livros “O Diário de Um Banana”, eu não consigo lembrar de algum enredo da cultura pop com um menino ou homem que relata sua vida e seus dilemas em um diário e que tenha feito tanto sucesso quanto esses aqui:
Eu cresci lendo histórias de meninas que escreviam sobre absolutamente tudo que acontecia à sua volta mas principalmente dentro das suas cabeças de 11, 14, 16 anos. Meninas vivendo intensamente os dramas correspondentes às suas fases da vida enquanto colocavam tudo em palavras escritas para si mesmas.
Apesar da insistência no assunto, eu juro que não quero impor regra ou convencer todas as pessoas a começarem um diário hoje mesmo. Entendo que cada pessoa tem a sua forma de processar as coisas etcetera e tal, mas se eu puder trazer só mais um tópico…
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Eu juro que nada dá mais vontade de dar um abraço em si mesma do que ler um diário antigo seu. Além de ser prato cheio pra terapia, dependendo do quanto você era vulnerável no momento do registro.
Aproveitando o início do segundo semestre, recentemente fui ler o que escrevi no começo de 2023, porque lembrava que o conteúdo ia pra esse lado das metas e desejos pro novo ano. Foi bom pra fazer esse balanço da metade do caminho, lembrar o que eu esperava de mim e reconhecer o progresso desses seis meses. Ou regresso, né, acontece.
E agora penso muito em como vai ser reler o diário desse ano daqui a cinco ou dez anos. Esse eu não me imagino mostrando a ninguém, nem agora e nem depois, mas tem umas páginas de 2009 que eu vou deixar aqui embaixo.
Chegou agora por aqui? Esta é a edição de quando comecei a escrever o diário no final de 2022:
E esta é a edição que tem outras citações do Frantumaglia, de Elena Ferrante:
Aqui, um bom livro pra começar a ler Elena Ferrante:
E aqui, mais um vídeo de Lelê Burnier lendo diários:
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Essa ficou longa, obrigada se chegou até aqui. Até mês que vem!
Amei teu texto e concordo demais. Tenho diários desde a adolescencia e o que me impulsionou a começa-lo foi ler o livro “Diário secreto de um adolescente”, escrito pela Sue Townsend e cujo protagonista era menino.
Eu escrevo. Não diariamente - pensando agora se deveria -, mas escrevo. E esse sentimento ao encarar nossas eus é tão maluco. Fui várias e ainda assim, eu. E é uma delícia. Escrevendo esse comentário decidir ir agora escrever no meu caderninho kkkk obrigada por me instigar ♡